Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma 2015
By Pastoral da Juventude - Arquidiocese de Feira - 19:42
« Fortalecei os vossos corações» (Tg 5,8)
Amados irmãos e irmãs!
Tempo de renovação para a Igreja,
para as comunidades e para cada um dos fiéis, a Quaresma é sobretudo um «
tempo favorável » de graça (cf. 2 Cor6,2). Deus nada nos pede, que antes
não no-lo tenha dado: « Nós amamos, porque Ele nos amou primeiro
» (1 Jo 4,19). Ele não nos olha com indiferença; pelo contrário, tem a
peito cada um de nós, conhece-nos pelo nome, cuida de nós e vai à nossa
procura, quando O deixamos. Interessa-Se por cada um de nós; o seu
amor impede-Lhe de ficar indiferente perante aquilo que nos acontece. Coisa
diversa se passa connosco! Quando estamos bem e comodamente instalados,
esquecemo-nos certamente dos outros (isto, Deus Pai nunca o faz!), não
nos interessam os seus problemas, nem as tribulações e injustiças que
sofrem; e, assim, o nosso coração cai na indiferença: encontrando-me
relativamente bem e confortável, esqueço-me dos que não estão bem!
Hoje, esta atitude egoísta de indiferença atingiu uma dimensão mundial tal que
podemos falar de uma globalização da indiferença. Trata-se de um
mal-estar que temos obrigação, como cristãos, de enfrentar.
Quando
o povo de Deus se converte ao seu amor, encontra resposta para as
questões que a história continuamente nos coloca. E um dos desafios mais
urgentes, sobre o qual me quero deter nesta Mensagem, é o da globalização
da indiferença. Dado que a indiferença para com o próximo e para com Deus
é uma tentação real também para nós, cristãos, temos necessidade de
ouvir, em cada Quaresma, o brado dos profetas que levantam a voz para
nos despertar. A Deus não Lhe é indiferente
o mundo, mas ama-o até ao ponto
de entregar o seu Filho pela salvação de
todo o homem. Na encarnação, na vida terrena, na morte e ressurreição do
Filho de Deus, abre-se definitivamente a porta entre Deus e o homem,
entre o Céu e a terra. E a Igreja é como a mão que mantém aberta esta
porta, por meio da proclamação da Palavra, da celebração dos Sacramentos,
do testemunho da fé que se torna eficaz pelo amor (cf. Gl 5,6).
O mundo, porém, tende a fechar-se em si
mesmo e a fechar a referida porta através da qual Deus entra no mundo e o
mundo n’Ele. Sendo assim, a mão, que é a Igreja, não deve jamais
surpreender-se, se se vir rejeitada, esmagada e ferida. Por isso, o povo de
Deus tem necessidade de renovação, para não cair na indiferença nem se
fechar em si mesmo. Tendo em vista esta renovação, gostaria de vos propor
três textos para a vossa meditação.
1.
« Se um membro sofre, com ele sofrem todos os membros » (1 Cor12,26)– A
Igreja.
Com o seu ensinamento e sobretudo
com o seu testemunho, a Igreja oferece-nos o amor de Deus, que
rompe esta reclusão mortal em nós mesmos que é a indiferença. Mas, só se
pode testemunhar algo que antes experimentámos. O cristão é aquele que
permite a Deus revesti-lo da sua bondade e misericórdia, revesti-lo de
Cristo para se tornar, como Ele, servo de Deus e dos homens. Bem no-lo
recorda a liturgia de Quinta-feira Santa com o rito do lava-pés. Pedro não
queria que Jesus lhe lavasse os pés, mas depois compreendeu que Jesus não
pretendia apenas exemplificar como devemos lavar
os pés uns aos outros; este serviço, só o pode fazer quem,
primeiro, se deixou lavar os pés por Cristo. Só essa pessoa « tem
parte com Ele » (cf. Jo 13,8), podendo assim servir o homem. A Quaresma é
um tempo propício para nos deixarmos servir por Cristo e, deste modo,
tornarmo-nos como Ele. Verifica-se isto
quando ouvimos a Palavra de Deus e recebemos os sacramentos,
nomeadamente a Eucaristia. Nesta, tornamo-nos naquilo que recebemos: o
corpo de Cristo. Neste corpo, não encontra lugar a tal indiferença que,
com tanta frequência, parece apoderar-se dos nossos corações; porque,
quem é de Cristo, pertence a um único corpo e, n’Ele, um não olha com
indiferença o outro. « Assim, se um membro sofre, com ele sofrem todos os
membros; se um membro é honrado, todos os
membros participam da sua alegria » (1 Cor12,26). A
Igreja é communio sanctorum, não só porque, nela, tomam parte os Santos
mas também porque é comunhão de coisas santas: o amor de Deus, que
nos foi revelado em Cristo, e todos os seus dons; e, entre estes,
há que incluir também a resposta de quantos se deixam alcançar por tal
amor. Nesta comunhão dos Santos e nesta participação nas coisas santas,
aquilo que cada um possui, não o reserva só para si, mas tudo é para
todos. E, dado que estamos interligados em Deus, podemos fazer algo mesmo
pelos que estão longe, por aqueles que não poderíamos jamais, com as
nossas simples forças, alcançar: rezamos com eles e por eles a Deus, para
que todos nos abramos à sua obra de salvação.
2.
« Onde está o teu irmão? » (Gn 4,9)– As paróquias e as comunidades
Tudo o que se disse a propósito
da Igreja universal é necessário agora traduzi-lo
na vida das paróquias e comunidades. Nestas realidades
eclesiais, consegue-se porventura experimentar que fazemos parte de um
único corpo? Um corpo que, simultaneamente, recebe e partilha aquilo que
Deus nos quer dar? Um corpo que conhece e cuida dos seus membros mais
frágeis, pobres e pequeninos? Ou refugiamo-nos num amor universal pronto
a comprometer-se lá longe no mundo, mas que esquece o Lázaro sentado à
sua porta fechada
(cf. Lc16,19-31)? Para receber e
fazer frutificar plenamente aquilo que Deus nos dá, deve-se ultrapassar as
fronteiras da Igreja visível em duas direcções. Em primeiro lugar, unindo-nos à
Igreja do Céu na oração. Quando a Igreja terrena reza, instaura--se
reciprocamente uma comunhão de serviços e bens que chega até à presença
de Deus. Juntamente com os Santos, que encontraram a sua plenitude em
Deus, fazemos parte daquela comunhão onde a indiferença é vencida pelo
amor. A Igreja do Céu não é triunfante, porque deixou para trás as
tribulações do mundo e usufrui sozinha do gozo eterno; antes pelo
contrário, pois aos Santos é concedido já contemplar e rejubilar com o facto de
terem vencido definitivamente a indiferença, a dureza de coração
e o ódio, graças à morte e
ressurreição de Jesus. E, enquanto esta vitória do amor não
impregnar todo o mundo, os Santos caminham connosco, que ainda
somos peregrinos. Convicta de que a alegria no Céu pela vitória do amor
crucificado não é plena enquanto houver, na terra, um só homem que sofre
e geme, escrevia Santa Teresa de Lisieux, doutora da Igreja:
« Muito espero não ficar inactiva no
Céu; o
meu desejo é continuar a
trabalhar pela Igreja e pelas almas » (Carta254, de 14 de Julho de
1897).
Também
nós participamos dos méritos e da alegria dos Santos e eles tomam parte na
nossa luta e no nosso desejo de paz e reconciliação. Para nós, a sua
alegria pela vitória de Cristo ressuscitado é origem de força para
superar tantas formas de indiferença e dureza de coração.
Em segundo
lugar, cada comunidade cristã é chamada a atravessar
o limiar que a põe em relação com a sociedade circundante, com os pobres
e com os incrédulos. A Igreja é, por sua natureza, missionária, não
fechada em si mesma, mas enviada a todos os homens. Esta
missão é o paciente testemunho d’Aquele que
quer conduzir ao Pai toda a realidade e todo o homem. A missão é aquilo que o
amor não pode calar. A Igreja segue Jesus Cristo pela estrada que a
conduz a cada homem, até aos confins da terra (cf.Act1,8). Assim podemos
ver, no nosso próximo, o irmão e a irmã pelos quais Cristo morreu e
ressuscitou. Tudo aquilo que recebemos, recebemo-lo também para eles. E,
vice-versa, tudo o que estes irmãos possuem é um dom para a Igreja e para
a humanidade inteira.
Amados
irmãos e irmãs, como desejo que os lugares onde a Igreja se manifesta,
particularmente as nossas paróquias e as nossas comunidades, se tornem
ilhas de misericórdia no meio do mar da indiferença!
3.
« Fortalecei os vossos corações » (Tg 5,8)– Cada um dos fiéis
Também como indivíduos temos a
tentação da indiferença. Estamos saturados de notícias e imagens
impressionantes que nos relatam o sofrimento humano, sentindo ao mesmo
tempo toda a nossa incapacidade de intervir. Que fazer para não nos
deixarmos absorver por esta espiral de terror e impotência? Em primeiro
lugar, podemos rezar na comunhão da Igreja terrena e celeste. Não subestimemos
a força da oração de muitos! A iniciativa 24 horas para o Senhor, que
espero se celebre em toda a Igreja – mesmo a nível diocesano – nos dias 13
e 14 de Março, pretende dar expressão a esta necessidade da oração. Em
segundo lugar, podemos levar ajuda, com gestos de caridade, tanto a quem
vive próximo de nós como a quem está longe, graças aos inúmeros
organismos caritativos da Igreja. A Quaresma é um tempo propício para
mostrar este interesse pelo outro, através de um sinal – mesmo pequeno,
mas concreto – da nossa participação na humanidade que temos em
comum. E, em terceiro lugar, o sofrimento do próximo constitui um
apelo à conversão, porque a necessidade do irmão recorda-me a fragilidade da
minha vida, a minha dependência de Deus e dos irmãos.
Se
humildemente pedirmos a graça de Deus e aceitarmos os limites das nossas
possibilidades, então confiaremos nas possibilidades
infinitas que tem de reserva o amor de Deus. E poderemos
resistir à tentação diabólica que nos leva a crer que podemos
salvar-nos e salvar o mundo sozinhos. Para superar a indiferença e as
nossas pretensões de omnipotência, gostaria de pedir a todos para viverem
este tempo de Quaresma como um percurso de formação do coração, a que nos
convidava Bento XVI (Carta enc. Deus caritas est, 31). Ter um
coração misericordioso não significa ter um
coração débil. Quem quer ser misericordioso
precisa de um coração forte, firme, fechado ao tentador mas aberto a
Deus; um coração que se deixe impregnar pelo Espírito e levar pelos
caminhos do amor que conduzem aos irmãos e irmãs; no fundo, um
coração pobre, isto é, que conhece as suas limitações e se gasta pelo outro. Por
isso, amados irmãos e irmãs, nesta Quaresma desejo rezar convosco a Cristo: «
Fac cor nostrum secundum cor tuum – Fazei o nosso coração semelhante ao
vosso » (Súplica das Ladainhas ao Sagrado Coração de Jesus). Teremos
assim um coração forte e misericordioso, vigilante e generoso, que não se
deixa fechar em si mesmo nem cai na vertigem da globalização da
indiferença.
Com
estes votos, asseguro a minha oração por cada crente e comunidade
eclesial para que percorram, frutuosamente, o itinerário quaresmal,
enquanto, por minha vez, vos peço que rezeis por mim. Que o
Senhor vos abençoe e Nossa Senhora vos guarde!
Vaticano, Festa de São Francisco de Assis, 4 de Outubro de
2014
Fonte:
Rádio Vaticana
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