Organizar a esperança – Partilha de Aline Ogliari
By Pastoral da Juventude - Arquidiocese de Feira - 22:54
Modelo/SC, início do advento de 2014
“Organizar a esperança,
Conduzir tempestades,
Romper o rumo das noites.
Construir, sem pedir licença, um mundo de liberdade!”
(Pedro Tierra)
Esse poema vêm me inspirando desde março, e acredito que vá ficar por muito tempo, pois ele resume um pouco do tanto do nosso sonho e do nosso jeito de construí-lo. Outra dimensão significativa que ele me traz foi o contexto e o local em que o li a primeira vez, numa das andanças já feitas: estava escrito em um estandarte simples em uma casa no Assentamento Hugo Chávez, em Tapes/RS, por ocasião da Romaria da Terra do Rio Grande do Sul.
Tenho visto vários olhos brilhantes por aí, vários sorrisos sinceros, tenho conhecido os mais diversos tipos de abraços, e ouvido vários sotaques. Tenho recebido vários “muito obrigad@!” (mesmo achando que quem deve agradecer sou eu); vários “estamos contigo!”, e vários “contamos com você!”, que é sem dúvida onde mais pesa o “sim” e a coerência àquilo que nos propomos a fazer quando nos colocamos nessa caminhada. São olhos, sorrisos, abraços e sotaques que encantam, inquietam e responsabilizam.
Foi em julho, na intensidade que foi a experiência de acompanhar a Assembleia Regional da PJ do regional Norte 1, ao ouvir e ver as partilhas que aqueles e aquelas jovens fizeram sobre o seu trabalho com a PJ, que consegui traduzir em prece uma inquietação que eu vinha sentindo há um tempo, a partir de tantas outras experiências também já vividas: além da prece permanente para que todas as minhas ações sejam coerentes ao Projeto, pedi a Deus que eu seja digna desse serviço que assumi. São tantas as vidas doadas, os sonhos gestados e cuidados, as histórias, as experiências e as dinâmicas de organização e evangelização que PJteir@s fazem por esse Brasil…
Nessa dimensão, a vontade de construir, de somar, de reunir, de celebrar, de rezar, de transformar tudo aqui e agora é algo que sentimos ser muito vivo nos e nas jovens que vamos conhecendo. Isso é fantástico! Às vezes achamos que barramos em algumas estruturas e instâncias (que não podem aprisionar toda essa energia), mas que, mesmo sendo meio burocráticas, às vezes são necessárias: registrar, documentar, respeitar processos e tempos, avaliar, planejar a caminhada, reconstruir tudo se for preciso, e sempre somar na decisão do coletivo abrindo mão dos interesses pessoais…
Hoje, o advento também tem sido o de preparar o caminho para o 11º Encontro Nacional da Pastoral da Juventude. Que tempo mais intenso, mais místico, profundo! Inquieta e traz algumas preocupações de ordens práticas, mas nada que tire o encanto e a emoção de ajudar a construir um marco na nossa história. Penso que dizer que antecipamos um marco em nossa história pastoral não é exagero; é só a primavera que anuncia um novo tempo.
Isso tudo é também organizar a nossa esperança, que é cheia de mística libertadora.
Sempre onde houver seres humanos, homens e mulheres, haverá conflitos, divergências, discussões… Quanto maior for a politização, a consciência de espaço e de identidade, maior será o crescimento que isso proporciona; e, quanto maior for a instância de liderança, maiores serão os conflitos a serem mediados. Conduzir tempestades é dialogar com o diferente.
Porém, há situações que preferíamos que não houvessem, que machucam e desanimam muito. São as decepções com algumas estruturas, organizações, com realidades injustas e difíceis de trabalhar, mas são principalmente com pessoas que caminham com a gente e que têm ações contraditórias ao objetivo comum – agem por interesses próprios, egoístas, buscam o poder e status… Os meios para a construção do outro mundo possível devem ser coerentes com a finalidade, e tão proféticos quanto, ou então não seremos dignos e dignas dela. Companheiro/companheira é quem comunga do mesmo pão, do mesmo sonho, da mesma utopia, só que às vezes chega o ponto de nós nos perguntar: “será que ele/ela é mesmo companheiro/a?”. Essas decepções machucam profundamente.
A saudade é outra dimensão da tempestade, e essa é inevitável. Estou em um tempo que algumas saudades começam a pesar: saudade de pessoas que conviviam comigo e hoje não consigo ver muito e nem partilhar a vida, saudade das atividades que ajudava a construir no local onde estava, de estar mais próxima da minha base, de acompanhar o processo de uma caminhada local, de algumas coisas práticas… Sei que é uma saudade que faz parte desse andar, e vivê-la é recordar de outros bons tempos.
O período eleitoral desse ano foi um tempo que me marcou muito seriamente. Questionamos por muitas vezes sobre a formação política (politizada e politizante) do povo brasileiro, e de forma muito direta, me questionava e partilhava sobre essa mesma formação política que a PJ tem feito por aí. A PJ não dá orientação político-partidária, mas deve dar orientação política, pois tem lado definido, e o nosso lado é o do povo escolhido por Deus!
Me indignou profundamente os discursos vazios de ódio contra o PT e a Dilma, contra o povo nordestino e nortista, contra os pobres, da necessidade de “alternância” de poder, do desejo de mudança (que muitos nem sabem o que é!), conservadorismo ao extremo, xenofobia, falta de discussão de projeto político, misoginia, incoerência… Em alguns momentos me sentia paralisada. Foi uma eleição marcada por isso, e não pelo debate político, debate sobre os projetos políticos que nos foram apresentados… Porém me indignou mais ainda, por ser algo mais direto, ver que muitos/as PJteiros/as reproduziam esses discursos!
Isso precisa nos questionar e nos provocar, nos fazer voltar a falar abertamente sobre e sobre nosso compromisso cristão de construir um projeto popular, a intensificar nossa formação política (não só na PJ, mas também na Igreja, nas organizações e forças populares), fazer formação política desde o “Bê+A=BA” até sobre as estruturas mais complexas da sociedade e da política. Com a eleição de Dilma, puxar o Governo para a esquerda será função da esquerda, e essa precisa voltar a se organizar!
Quando conhecemos o Projeto e nos encantamos com ele, de fato perdemos o direito de vivermos sossegados e sossegadas, perdemos o direito de nos acomodar e fechar os olhos diante das situações de injustiça que são cometidas. Trememos de indignação, e é essa indignação que nos leva a querer romper a escuridão das noites.
Romper o rumo das noites significa romper o silêncio: denunciar, gritar, buscar a verdade, construir o novo. Aqui, lembro dos 50 anos do início da Ditadura Militar, sangrenta, com gritos desesperados no silêncio, com choros em várias celas, ruas, campos e cidades. Não pode voltar a se repetir! Ainda ecoam nos ouvidos os clamores de justiça, e não tem como não dizer que o processo que estamos construindo para a Reforma Política é também para transformar esse sistema político com raízes ditatoriais… Estamos em um momento importante da nossa história e não podemos cochilar.
Parafraseando os Zapatistas, digo que “a liberdade é como o amanhecer: alguns esperam dormindo, mas outros acordam e caminham durante a noite para alcançá-lo. Porém, nós, povo romeiro, somos viciados em insônia deixamos a História desesperada”. Temos um sonho que nos guia, e mesmo à noite, sabemos para onde marchamos, e só marchamos porque temos a certeza do amanhecer!
O sonho de um mundo de liberdade deve ser permanente! Ele revela o nosso jeito, a nossa genética, e fala da essência juvenil que é a intensidade, a ousadia, a rebeldia. Construir o Reino de Deus é um ato de resistência de quem insiste em sonhar, de subversividade de quem, dentro desse sistema, anda na contramão.
Sabemos que existem aqueles que não querem ver a alvorada, que querem as pessoas reféns, dormindo alienadas, presas e crentes que não se é possível de mudar e de viver o novo céu e a nova terra. O Projeto de Deus é de homens e mulheres nov@s, livres, é a harmonia plena, o cuidado vigorando, o embalo, a mística, os laços que se irrompem! É por isso que, com a ternura, o cuidado e a acolhida de todos e todas, não pedimos licença a ninguém para construir o Reino. Essa deve ser uma das nossas alegrias!
Aline Ogliari,
Secretária Nacional da Pastoral da Juventude
Fonte: Pastoral da Juventude Nacional
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