Campanha da Fraternidade 2013: Juventude em pauta

By Pastoral da Juventude - Arquidiocese de Feira - 15:13



Passadas mais de duas décadas, a Campanha da Fraternidade (CF) volta a ter como tema a Juventude. Com sua vocação profética, a CF não teme denunciar as estruturas que causam a morte, sendo sempre, contudo, momento fértil de anúncio da Boa Nova, do Reino de Deus, da Civilização do Amor.
Assim como em 1992 (ano em que a CF teve como tema a Juventude), é urgente a atenção de toda a sociedade com a vida e as demandas de milhões de jovens do nosso país, que representam quase 30% dos 190 milhões de brasileiros/as. Em 2013, a Campanha da Fraternidade se propõe a“acolher os jovens no contexto de mudança de época, propiciando caminhos para seu protagonismo no seguimento de Jesus Cristo, na vivência eclesial e na construção de uma sociedade fraterna fundamentada na cultura da vida, da justiça e da paz”[1]. Assim, é necessário perguntarmos: como é a vida da população jovem? Quais são as suas grandes demandas?

Condição e Situação Juvenil

A concepção que se tem de juventude e de ser jovem é fruto de um determinado momento histórico, de determinada cultura, de determinadas relações sociais. A noção de juventude pode variar, inclusive, dentro de uma mesma época, dependendo do país, da sociedade, do universo cultural e de questões sócio-econômicas. Além disso, dependendo da área do conhecimento (principalmente na psicologia e na sociologia), há grandes dificuldades na distinção entre adolescência e juventude.
No Brasil, nos últimos anos, devido ao maior debate sobre políticas públicas de juventude, vem se buscando uma melhor definição do tema. Atualmente, considera-se jovem a população entre 15 e 29 anos de idade. Mas apenas a questão etária não é suficiente para abarcar a condição juvenil. Conforme a socióloga Helena Abramo, “trata-se de uma fase marcada por processos de desenvolvimento, inserção social e definição de identidades, o que exige experimentação intensa em diversas esferas da vida. Essa fase do ciclo de vida não pode mais ser considerada, como em outros tempos, uma breve passagem da infância para a maturidade, de isolamento e suspensão da vida social, com a ‘tarefa’ quase exclusiva de preparação para a vida adulta. Esse período se alongou e se transformou, ganhando maior complexidade e significação social, trazendo novas questões para as quais a sociedade ainda não tem respostas integralmente formuladas”.[2]
Porém, viver essa condição, ou seja, viver a experiência de todos esses processos não é algo homogêneo para todas as pessoas entre 15 e 29 anos. Se podemos pensar em uma condição juvenil (que, não esqueçamos, muda de acordo com a sociedade e com o momento histórico), temos que falar em situações juvenis, onde devemos considerar questões como a de gênero, classe, etnia, escolaridade, mundo do trabalho, expressão cultural etc.[3] Nesse sentido, não podemos falar em Juventude, mas em Juventudes, levando em conta, assim, as várias faces do ser jovem, variando com os inúmeros contextos e experiências nas quais os/as jovens estão inseridos, além das diversas formas que se manifestam, seus valores, suas concepções e seus sonhos.

CF 2013 e a Vida das Juventudes

O contexto de desigualdades que vivemos leva um imenso contingente de jovens à privação de direitos, de uma vida digna e de uma formação e desenvolvimento integrais. Já alertava e convocava a CNBB em 2007:
“Face à situação de extrema vulnerabilidade a que está submetida a imensa maioria dos jovens brasileiros, é necessária uma firme atuação de todos os segmentos da Igreja no sentido de garantir o direito dos jovens à vida digna e ao pleno desenvolvimento de suas potencialidades. (…) Um desafio urgente é garantir que todos os jovens tenham acesso aos direitos fundamentais, numa sociedade marcada por profundas desigualdades sociais, regionais, raciais e de gênero.”[4]
Em todas as áreas sociais, as juventudes sofrem com a ausência ou a insuficiência das políticas públicas. Na educação, por exemplo, levantamento do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) aponta que 1,5 milhão de jovens são analfabetos[5]. Em relação aos/às jovens entre 15 e 17 anos, apesar de avanços nos últimos anos, 83% frequentavam a escola em 2011, mas cerca da metade não estava no ensino médio, de acordo com o IBGE[6]. Sobre o ensino superior, também considerando melhorias na última década, apenas 17,6% de jovens entre 18 e 24 anos cursam ou concluíram uma graduação, de acordo com o Censo da Educação Superior 2011 (MEC).
No mundo do trabalho, além de constatarmos a grande quantidade de jovens desempregados, observamos que eles recebem, comparativamente a outras faixas etárias, os menores salários em média, além de ocuparem, em sua grande maioria, os postos mais baixos. Essa situação fica mais aguda quando se trata de jovens mulheres e negras que recebem, em média, os mais baixos vencimentos.
As altas taxas de homicídio no Brasil e o encarceramento em massa atentam cotidianamente contra a promoção de vida digna para as juventudes, onde destacadamente sofre a juventude negra, empobrecida e moradora das periferias. A taxa de homicídios no Brasil vem se mantendo, considerando a população toral, nos absurdos 26 assassinatos por 100 mil habitantes. Segundo o Mapa da Violência 2012[7], tendo como base o ano de 2010, as taxas atingem números chocantes quando consideramos apenas a população jovem, especialmente na faixa entre os 20 e 25 anos. Entre os jovens brancos, a taxa chega à 37,3/100 mil. Já entre os jovens negros, a taxa alcança 89,3/100 mil. Ao mesmo tempo, jovens entre 18 e 29 anos representam mais de 260 mil pessoas do total de encarcerados no Brasil[8], vivendo em condições precárias e humilhantes, como superlotação de celas, ausência de materiais para higiene pessoal, falta de estudo e de trabalho de qualidades, situações diversas de violências, falta de atendimento médico adequado, entre outros.
É imperativo, portanto, transformar a realidade excludente que marca a vida de tantos/as jovens, construindo as condições sociais para que sejam Sujeitos de Direitos. Comungando com a história e a vocação da Igreja na América Latina[9], a CF-2013 é um grande momento de renovarmos a evangélica e profética opção pelos pobres e pelos jovens, caminhando junto com os povos que mais sofrem e construindo uma nova sociedade, pautada pela justiça social e pela fraternidade. Nesse sentido, a CF “Fraternidade e Juventude” destaca:
“Na cultura atual, a noção de ‘direito’ representa a perspectiva da promoção da igualdade efetiva. A função dos direitos é proporcionar garantias das condições para que grupos sociais, como a juventude, possam existir e se desenvolver segundo suas potencialidades e necessidades, sem discriminações e exclusões.
Em relação à juventude, é essencial buscar a igualdade de condições com a valorização da diferença para a manutenção dos direitos de forma plena e libertadora. O desafio é levar a sociedade a perceber os jovens como sujeitos de direitos e protagonistas na promoção e recepção das políticas públicas.”[10]

Quaresma e CF, tempo de conversão

A Campanha da Fraternidade, em todos os anos, é vivida intensamente (não exclusivamente) na Quaresma. O espírito do período quaresmal é, marcadamente, de tempo de conversão, preparação para a festa da Páscoa, onde a Vida triunfa sobre a morte.
A Campanha da Fraternidade, que ocorre desde 1964, nunca se omitiu em denunciar as estruturas de morte que atingem o povo. Seu objetivo sempre foi o de mobilizar a Igreja e o conjunto da sociedade na construção efetiva de uma sociedade que promova a vida, convertendo as ideologias e as estruturas sociais, políticas e econômicas que levam à morte. Podemos tomar como exemplos mais recentes, as últimas CF’s. No ano passado, em 2012, o tema “Fraternidade e Saúde Pública” contribuiu muito para a valorização do SUS e para reafirmar a importância da participação popular na gestão da saúde pública, atuando, especialmente, nos conselhos gestores. Em 2009, com o tema “Fraternidade e Segurança Pública”, a CF denunciou, entre outras coisas, o encarceramento em massa e pautou a necessidade de uma segurança pública baseada nos direitos humanos. No ano de 2003, o tema foi “Fraternidade e Pessoas Idosas”. Essa CF foi determinante, não nos esqueçamos, para a criação, naquele mesmo ano, do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003). Isso só para darmos apenas três exemplos da última década.
Nesse ano de 2013, somos chamados a manter esse legado da CF, de compromisso com a Vida e com o povo. Lembremos, assim, das palavras de Dom Leonardo Ulrich Steiner, quando diz que “a Quaresma deve, portanto, vir iluminada pelo desejo de conversão. (…) a CNBB nos apresenta a Campanha da Fraternidade como itinerário de conversão pessoal, comunitária e social”[11]. Desse modo, somos chamados à conversão e ao compromisso pessoal com a causa juvenil, especialmente com a mais desfavorecida e empobrecida. Ao mesmo tempo, somos igualmente convocados à promover a transformação das realidades sociais, políticas e econômicas que não consideram os jovens sujeitos de direitos, em vista da construção de uma sociedade fraterna pautada na vida, na justiça e na paz.
Marcelo Naves,
Agente de Pastoral Carcerária da Arquidiocese de São Paulo, SP

[1] CNBB, Campanha da Fraternidade 2013 – Texto Base, §4 – Objetivo Geral.
[2] ABRAMO, Helena W., O uso das noções de adolescência e juventude no contexto brasileiroin “Juventude e adolescência no Brasil – referências conceituais, org. Maria Virgínia de Freitas. São Paulo, Ação Educativa, 2005. p. 31.
[3] Para o debate sobre condição e situação juvenil, ver: ABRAMO, Helena W., Condição juvenil no Brasil contemporâneoin “Retratos da Juventude Brasileira – Análises de uma pesquisa nacional”, org. Helena W. Abramo e Pedro P. M. Branco. Ed. Perseu Abramo e Instituto Cidadania, 2005.
[4] CNBB, Evangelização da Juventude – Desafios e Perspectivas Pastorais, Documento 85, 2007, ed Paulinas, § 230 e § 234.
[8] Conforme InfoPen, junho de 2012. http://mapadaviolencia.org.br/pdf2012/mapa2012_cor.pdf.
[9] Cf. Conferências Episcopais Latino Americanas de Medellín (1968), Puebla (1979), Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007).
[10] CNBB, Campanha da Fraternidade 2013 – Texto Base, § 334 e § 335.
[11] CNBB, Campanha da Fraternidade 2013 – Manual, Introdução, p. 7.

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