Eu sou, nós somos Testemunhas do Reino!

By Pastoral da Juventude - Arquidiocese de Feira - 23:39


Estava no advento da viagem para a Espanha, por conta da Jornada Mundial da Juventude, em Madri, e o sentimento era de medo e incertezas. Eram vários os motivos pra sentir o que sentia. A conjuntura eclesial nos mostrava que a opção não era mais pela vivência comunitária que nós, jovens pejoteiros de todos os cantos e especificidades desse Brasil, somos e fazemos. A opção agora era por um tipo de vivência mais “intra”, mais preocupada com os números e com a obediência. Para mim que cresci no meio das Comunidades Eclesiais de Base, que aprendi com meus párocos, meus queridos amigos e “pais” na vivência eclesial verdadeira, a questioná-los e aos que fossem necessário quando minha fé o mandasse fazer, isso era duro e trazia uma desesperança desoladora!
Eu não sabia o que fazer!
Peguei o ônibus no dia 14 de julho com destino à Goiânia. Em alguns momentos me vi chorando como criança, porque eu não sabia o que fazer com essa nova realidade. Foi no silêncio e na solidão daquela viagem que eu comecei a refletir minha vida e meu serviço na Pastoral. Não foi fácil! Troquei mensagens de celular com alguns amigos e amigas. Dessa forma eles e elas também ajudavam a compreender algumas coisas e me faziam entender que deveria confiar em Deus e não desanimar.
Uma das mensagens dizia: “o Pedro [Casaldáliga] vai tá lá. Procura ele. Conversa com ele!” “Se apoia em quem estiver lá”. Foi o que eu fiz!
Cheguei a Goiânia e fui primeiro visitar minha irmã mais velha, a Socorro. Ela foi me pegar na rodoviária. Ela já mora lá há alguns anos e quase nunca a vejo. Sempre é bom revê-la, abraçá-la, partilhar a vida com ela! Ela me compreende muito, pois a gente participava junto do grupo de jovens da comunidade! A gente passou o dia juntos, ela, o Fabricio, esposo dela e eu. Foi muito bom passar aqueles momentos, mesmo que pouco tempo com eles! A tarde, antes de ela ir trabalhar, foi me deixar na CAJU. A despedida foi rápida, pois já estava atrasada para o serviço. Mas a presença dela me confortou, e isso valeu!
Quando entrei na CAJU me encontrei com tanta gente boa! Tanta gente linda desse imenso Brasil! Pejoteiros, militantes de movimentos sociais... Amantes da causa juvenil... Foi maravilhoso rever muitos rostos e abraçá-los em mais um reencontro que a caminhada nos proporciona. Muito especial também conhecer tantos outros rostos... Alguns já amigos do mundo virtual, outros conhecidos naquele momento. Cada um e cada uma marcaram minha vida com intensidade!
Nesse dia estava acontecendo o CONUNE (Congresso da UNE) perto da CAJU e a gente aproveitou pra dar uma passadinha lá. Fomos ver a galera das outras juventudes. Sofri certo impacto, pois tinha outra visão daquele espaço. Foi interessante. Vi muita gente das PJs lá. Gente que há muito tempo não via. Foi muito bom ver o rosto de outras juventudes que no fundo lutam pelo mesmo que eu, mesmo que não da mesma forma. Não demoramos muito... Logo retornamos pra CAJU e ficamos aguardando, enquanto partilhávamos a vida, a Celebração de Envio para a viagem.
A Celebração foi no espaço ecumênico da Casa. Jovens, adultos, crianças e gente já mais experiente. Brasileiros, estrangeiros, brancos, negros e índios... Gente de muitos lugares e de varias organizações reunidas para celebrar e partilhar a Vida. Foi um momento lindo! Ali eu já começava a perceber mais claramente que aquele cenário sombrio que me angustiava não era o único cenário.Havia resistência! Existem os que persistem! Sempre haverá!
Um dos momentos mais lindos da Celebração foi a partilha do padre Geraldo, então coordenador da Casa. Ele estava sofrendo muitas ameaças de morte por causa da defesa da vida da Juventude. Ele dizia: “Há uma lista lá fora pra quem quiser ser mártir! Quem quiser pode ir lá e assinar”. Aquela frase foi um pouco pra descontrair... Mas olhando agora, com mais calma... Refletindo a nossa vida, vejo que não há necessidade de assiná-la. Nós os persistentes já a assinamos. Assinamos pelo simples fato de persistir! De seguir o Ressuscitado! Assinamos pela escolha que fizemos, de defender a vida até as últimas consequências! Digo isso porque não podemos negar essa escolha. Não mesmo! Não podemos nos acovardar! Há companheiros e companheiras que não se acovardaram e deram suas vidas pela Vida! Vem logo à mente o Gisley, a Dorothy, o Josimo, Dom Helder, Dom Romero... Estes já estão na eternidade com a Trindade! Mas há os que ainda persistem!Há Geraldos, Tábatas, Hilários, Carmens, Pedros, Marias, Antonios, Franciscos... Nós estamos aqui! Não podemos retroceder! Pela memória dos que foram e pela presença dos que persistem!Naquele momento selamos nosso compromisso com uma linda Ciranda pela Vida. Varias rodas com todas as gentes cantando a esperança e dançando a beleza da Vida!
Terminado esse momento celebrativo, fomos encaminhados para os ônibus que nos levariam até Ribeirão Cascalheira-MT. Foram mais de 10 horas até chegarmos ao lugar mais esperado por mim nos últimos anos.
Era momento de celebrar com todas e todos Lutadores/as, todas e todos as/os persistentes na causa do Reino. Estávamos na Romaria dos Mártires da Caminhada!
Chegamos lá pela hora do almoço. Logo que descemos, encontrei  o Leandro Longo, um grande amigo que conheci no 12º Intereclesial das CEBs, em Porto Velho. Foi muito bom revê-lo! Abraçamos-nos, conversamos um pouco. Logo ele me disse que havia acabado de sair da casa do Pedro. Que havia falado com ele. Eu mais que depressa pedi a ele que mostrasse a casa. Estava bem à nossa frente! Estavam comigo as queridas manas, Paula e Pâmela da PJ do RS. As chamei e disse-lhes que iríamos ver o Pedro Casaldáliga. Fomos correndo!
Quando chegamos ao quintal da casa, tivemos outros dois ótimos encontros. O primeiro foi com o Mirim, querido amigo de grandes aventuras nessa vida pastoral! Místico, doce e simples como sempre, nos acolheu como um verdadeiro amante das diversas experiências de celebrar a vida! O reencontro com ele sempre me traz paz inquieta e ousadia, mas também muita ternura! O outro foi com Dom Leonardo, o então bispo da Prelazia e Secretário Geral da CNBB. Este me surpreendeu! Sua acolhida ali mesmo, no quintal, foi de uma singeleza... Sua atenciosidade para conosco foi ímpar. Vi poucos como ele serem tão ternos daquela forma.
Nós estávamos muito ansiosos. Enquanto conversávamos com Dom Leonardo, lá dentro, na sala, sentado numa cadeirinha de “macarrão” estava o Pedro, Bispo, pastor e poeta da Libertação... Um dos grandes referenciais dessa Igreja-Povo que caminha na construção do Reino. Prefiro não chamá-lo de “Dom”, pois tenho a impressão de ser um título que ele mesmo não goste muito, apesar de ele ser um dom de Deus para a humanidade.
Ele estava lá, sentado almoçando. Com uma simplicidade que há muito não via em nenhum pastor da nossa Igreja. Sua mesa era uma dessas mesas de plástico que se usa em quintal de casa.
Esperamos ele terminar o almoço e pedimos para o Mirim nos levar até ele. Ele estava acompanhado com dois outros homens. Na hora em que entramos os homens pareciam ter entendido que aquele seria um momento muito especial pra gente e nos deixaram um pouco a sós com o Pedro.
E foi mesmo! Foi o encontro de uma geração que cresce lendo as cartas, as poesias, as reflexões de um pastor que é referência de vida doada! Foi um encontro maravilhoso! Há anos esperado! Me senti representando naquela sala vários jovens da Diocese de Marabá que sempre sonhamos em estar ali, vivendo aquele momento!
Foi pouco tempo, mas valeu! O Pedro me fez, na simplicidade de sua vida, entender que nossa escolha não nos permite medo, nem desesperança!
“Sempre do lado dos mais pobres”. Foi o que ele me disse ao ouvido e beijando meu rosto. Naquele momento entendi o porquê de estar ali, o porquê de doar a minha vida à Pastoral e à Luta pelo Reino. Eu vi Cristo nele! Foi Ele quem falou pelo Pedro!
Ele me abriu os olhos e o coração. Levantou minha cabeça e me mostrou que o horizonte é o próprio Cristo. E que Cristo nos é apresentado todos os dias naqueles/as que sofrem todo tipo de exclusão.
Pra mim foi inacreditável aquele momento! Não imaginávamos que o veríamos tão rápido, logo que chegássemos. Não imaginei que seria possível conversar com ele, porque era muita gente ali. Acho que tivemos sorte!  Providência Divina, eu diria!
Quando saímos da casa do Pedro, para ele descansar, fomos andar pelos espaços organizados para a Romaria. Tinha muita coisa legal da Economia Popular Solidária. Lá encontramos mais companheiros/as!
Participamos de todos os momentos.
A abertura, o acendimento da fogueira, das velas... A caminhada de noite... A chegada ao Santuário dos Mártires da Caminhada... Tudo fortalecedor...
Eu esperei muito por esses momentos... Foram anos planejando estar, algum dia, em Ribeirão, participando da Romaria e conhecendo Pedro Casaldáliga.
Foi tudo como eu queria! Tudo místico, envolvente... Fazia arder mesmo o coração!
Na celebração de envio tudo também foi muito bonito. Mas o que marcou mesmo foi o testemunho mulher do Cacique Chicão Xucuru e do nosso pastor, Pedro Casaldáliga. Aliás, foram aquelas duas falas que mais marcaram minha ida àquele lugar sagrado. “Somos o Povo da Esperança! Não ter esperança é heresia! Somos o Povo que acredita no Ressuscitado!” dizia o Pedro em sua fala final... Muito forte também a fala da índia Xucuru que afirmava que o sangue dos mártires de seu povo voltava pra ela, pois eles não a deixariam lutar sozinha!
Para mim valeu toda aquela experiência! Mas com certeza aqueles poucos momentos sentado na sala com Pedro, Paula e Pâmela, ficarão marcados na memória para sempre!

Somos Testemunhas do Reino!

Texto reescrito em setembro de 2011.

Thiesco Crisóstomo


Autor: Thiesco Crisóstomo, Secretário Nacional da PJ
Fonte: pj.org.br

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